quarta-feira, 30 de março de 2016

CHUVA NA ROÇA, por Ivan Vagner Marcon (Poema)

CHUVA NA ROÇA
Autor: Ivan Vagner Marcon

Quando era dia de chuva na roça
eu corria assuntando pelas fresta:
os par de zóio perdido nas poça
a curiosidade estampada na testa.

Via as pranta alegre ca aguinha fresca
banhando as foia e raiz.
Belezura de se vê...Verdadera seresta
fazendo a  invernada muito mais feliz.



A água do poço vertendo e subindo
ajudando o barde a num esbarra nu fundo.
Água do céu pra matá a sede de nóis tudo
água bençoada... mió água do mundo.

E os banho da criação?
Cos galo e pato correndo dos raio
os franguinho ciscando o chão
e os passarinho escondidinho nos gaio.



Os gato esquentando ca quentura do fogão
o chero bão do café quente.
Os cachorro dormindo no chão
roncando e babando que nem gente.

Um ou outro trovão gorava os ovo no choco
e tinha uns par de curisco no campo...
Mais eu gritava: - Santa Barbra me venha em socorro
e me sarve de tanto relampo.



E quando da chuva chegava o finarzinho
co arco-da-véia colorindo o céu
o sor vindo bunito... di mansinho
co'a  bicharada fazendo iscarcéu...

E nos dia de hoje (de tanto medo e troça)
foi-se meu tempo de festança.
Sei que cada pancada que vi na roça
vai cê só sardade de minha lembrança.




PARTICIONADO, por José Eduardo Bertoncello (Poema)

PARTICIONADO
Autor: José Eduardo Bertoncello




Descubro-me CaLeIdOsCóPiCo
O Narciso no lago é Medusa
Reflexo envolvido na teia de aranha
De um espelho quebrado - As lascas são meus eus



Minha criança interior
Eu mantenho numa caixinha de joias
E esta, dentro de um cofre-forte
Longe, escondido. Diversas vezes perdi o mapa e a senha.

Minha melhor impressão
Está num medalhão, bem à vista
Sempre lustrada
Mas acho que é um amuleto supersticioso que não funciona...

Minha eficácia é uma arma enferrujando
E eu não costumava passar óleo nela
Ainda assim, eu a mantenho sempre no coldre
E, sempre com ela, até agora sobrevivi

Minha disposição para a luta,
Minha agressividade primal,
Levo para passear numa coleira
Nesses momentos, as pessoas desviam de mim

Meu lado mau eu tentei afogar num lago.
Ele voltou. Ele sempre volta.
Ele está bem atrás de mim, sinto sua respiração. Não é um anjo da guarda.
Um tipo de fera que é chamada por Luas Cheias ou coisas menores ainda.

A TESSITURA DE UM POEMA, por Sergio Diniz da Costa

A TESSITURA DE UM POEMA
Autor: Sergio Diniz da Costa



Recentemente, uma amiga me fez um pedido incomum: dizendo que queria ser poeta, pediu-me que a ajudasse nesse sentido.
O pedido causou-me dois sentimentos, antagônicos. O primeiro, de satisfação, porque ela fez o pedido a mim por se declarar admiradora de meus poemas. O segundo, porém, de preocupação, pois, afinal de contas, colocou sobre meus ombros a fé e a responsabilidade de que eu, de fato, poderia ajudá-la a ser uma poetisa.
E, dessa contradição de sentimentos, ocorreu-me um belíssimo poema que li há pouco tempo, de autoria de Rosana Sales, uma professora da Rede Municipal de Ensino do Rio de Janeiro, e que tem por título justamente o desta crônica: “Como num quadro/ Pingo palavras numa folha em branco/ Borbulham gotas espaçadas de um verso em construção/ Ele transborda em mim/ E sai aos poucos/ Dolorido e choroso/ Emotivo e formoso/ Assim é o meu verso/ E assim vou escrevendo/ Sem rumo e rimas/ Emoção num crescente de letras/ Palavras impregnadas de sentidos/ Assim são os meus versos/ Pingados nas linhas tortas/ De uma noite insone/ Chegam devagar, tímidos/ Mas de repente encontram o seu rumo/ Palavras saltam e voam no papel/ Escapam do meu ser/ E assim vai-se um poema/ Ser gauche na vida/ Perfeito para mim”.[1]
Rosana Sales, neste belíssimo poema, nos fornece alguns lampejos sobre o que é ser, realmente, um poeta, uma poetisa, e o faz, inicialmente, mostrando que essa qualidade tão especial de um ser humano é algo que já está dentro dele; é um sentimento tão intenso, que, de modo “dolorido e choroso, emotivo e formoso”, devagar e timidamente acaba por transbordar da alma e pinga, em forma de palavras, numa folha em branco.



Ser poeta/poetisa é, essencialmente, ter olhos e ouvidos de ver e ouvir e, mais do que isso, de sentir o que a maioria dos seres humanos não vê, não ouve e, muito menos, sente. E essa transcendente percepção está além das palavras, que, muitas vezes, a limita, ao ser exteriorizada.
De posse desse raríssimo bem, tem um ser humano, portanto, a essência da poesia. Mas, semelhante a um diamante bruto, pode-se lapidá-la, quando a transformamos em poemas.
E aqui, sim, o estudo acadêmico ou o autodidatismo fornecem o cadinho e o fogo, de onde emergem os mais candentes poemas.
E, nessa trilha literária, além da hipersensibilidade e da imaginação ilimitada, a cultura geral, o domínio do vernáculo e, em especial, o conhecimento das chamadas Figuras de Linguagem [2], são ferramentas imprescindíveis que, uma vez dominadas, mais do que simples versos, permitem que o seu detentor se transforme em Arauto da Beleza, forjando imorredouros Versos de Ouro.

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NOTAS DO AUTOR
[1] Baú de Retalhos. http://retalhossaborososdosaber.blogspot.com.br/search?q=tessitura+de+um+poema . Acesso em: 03/07/2015

[2] Recursos de expressão, utilizados por um escritor, com o objetivo de ampliar o significado de um texto literário ou também para suprir a falta de termos adequados em uma frase. É um recurso que dá uma grande expressividade ao texto literário.